quinta-feira, abril 20, 2006

Afinal, quem somos nós?

Às vezes indago-me se ainda sou jornalista. Se é verdade que não escrevo um artigo há coisa de um ano, não é menos verdade que o bichinho continua a rondar-me. São muitas as situações em que dou por mim a pensar e a agir como se ainda estivesse numa redacção. Gosto muito do que faço mas, talvez porque vivo rodeada de jornalistas, várias vezes me pergunto o que sou. Até quando tenho um formulário para preencher daqueles em que nos perguntam a profissão continuo a escrever jornalista.
Este fim-de-semana, no entanto, fiquei muito feliz por, na prática, não ser uma jornalista. Senti nojo, desprezo mesmo, por muitos profissionais da comunicação deste país. O modo como muitos dos orgãos de comunicação trataram a morte de um puto, não mais que isso, um puto de 22 anos fez-me ficar feliz por já não estar numa redacção.
Não conheci o Francisco Adam. Nunca o vi, nunca falei com ele, nem sequer era espectadora da série que protagonizava. Talvez por ser amiga de uma familiar dele me tenha sentido particularmente incomodada com a sua morte. Talvez seja o facto de eu própria ter estado tão perto da morte que me fez sentir um aperto no coração quando vi que aquele miúdo de 22 anos morreu de uma forma estúpida - porque todas as mortes na estrada o são -. Acho que já aqui escrevi a confusão que me faz não a morte, mas a falta de oportunidade de alguém que vai morrer se despedir dos que mais ama. Por isso, talvez me assustem mais as mortes inesperadas, por acidente, do que uma sentença do género da minha.
Adiante
Voltando ao Francisco, no próprio dia da sua morte, ainda ele não tinha saído da morgue do hospital, já algumas sanguessugas rondavam a casa dos pais na procura de um furo jornalístico. Expliquem-me uma coisa, por favor, o que pode justificar que um jornalista toque à campainha de uns pais que acabaram de perder o seu filho às DEZ da noite? Como é que tal é possível?
Ainda no domingo, o Jornal da Noite, da TVI, teve outro dos muitos momentos tristes que protagonizou em torno desta história ao azer um directo da morgue do hospital onde o Francisco se encontrava. Digam-me, do ponto de vista jornalístico, onde está o valor notícia deste directo? Por mais que me esforce não consigo encontrar uma resposta. O rapaz já tinha morrido, e nem sequer tinha sido no hospital, não havia rigorosamente nada a acrescentar com aquele directo a não ser, talvez, a triste figura que o jornalista em questão fez, provavelmente obrigado por uma direcção de informação ignóbil.
A capa do 24 Horas de ontem nem me merece comentários. O que sentiu o rapaz que viu o Francisco morrer???? Só mesmo com um pano encharcado nas trombas.
O directo da missa e do funeral? Não vou comentar porque nem sequer consegui ver.
Será que tinha bebido? Será que estava mesmo a trabalhar? Se era tão tarde porque não ficou a dormir lá pelas bandas de Coruche? São comentários que tenho ouvido nos últimos dias de pessoas, umas que conheço, outras que apenas passm por mim no café. Todos eles são pertinentes, mas pointless no sentido em que ele já morreu, e não há nada que se possa fazer para alterar essa realidade.
Na sua tentativa de escavar, de encontrar a verdade dos factos, a versão que realmente encha o olho e a curiosidade dos leitores, tenho visto e lido coisas inacreditáveis acerca de um puto de 22 anos que teve a puta da infelicidade de morrer na altura em que a vida lhe começava a sorrir, no nomento em que a sua vida adulta iria realmente começar.
Penso nos pais dele, na falta de respeito pela dor daquela família. Será que algum director de jornal, algum director de informação se dignou a pensar que poderia ser um dos seus filhos a morrer daquela forma? Será que a estúpida justificação de que os fãs tinham o direito a assisitir à missa de corpo presente e ao funeral seria suficiente para eles?
É em momentos como este que sinto asco de grande parte da classe jornalística deste país. a minha vontade era tratar o assunto à paulada.
Eu pensei naquela família, talvez pela minha amiga, é verdade, mas talvez por mim. E senti-me triste, revoltada a impotente.
Querida desculpa, não consegui corre-los à paulada, mas pensei em ti.
um beijo

2 comentários:

Anónimo disse...

Menina,
fiquei surpreendida, ainda pensei que me tinha enganado no blog. está giro, fresco, a condizer com a estação. fiquei também feliz por ver que retomaste o hábito da escrita. assim vou poder voltar a acompanhar-te. temos conversa para pôr em dia. o jornalismo está realmente cada vez pior. não tem nada a ver com aquilo que aprendemos (acho que a tua geração deve ter sido a última a aprender o jornalismo com alguns valores e éticas) e daqui para a frente, parece-me, é só a descer. por isso ando mesmo, seriamente, a pensar a minha vida. se tiveres ideias brilhantes para mais uma reinvenção, gostava de conversar sobre o assunto. não tenho pressa, estou a agir por prevenção, para daqui a uns dois anos... também estou a fazer contactos com o estrangeiro, como as coisas estão... beijinhos
cg

Anónimo disse...

Pronto, Inês, finalmente alguém exprimiu o que eu senti com a tolice inominável da cobertura do funeral do moço...
Montes de beijinhos
Margarida