terça-feira, outubro 16, 2007

Carta aberta ao meu pai

Pai, acho que estás a atravessar uma fase em que estar vivo já não é suficiente.
Tentas sorrir-me, mas vejo-te triste, ausente, sem vontade de lutar contra as muitas barreiras que tens diante de ti.
Gostava que me conseguisses olhar nos olhos e contar as tuas tristezas, as tuas frustrações, os teus medos, as tuas revoltas. Gostava que te sentisses mais próximo de mim, a ponto de teres vontade, naturalmente, de me dizer essas coisas. Bem sei da tua limitação do dizer. Tu não falas, ou melhor, não emites sons. Mas eu, pai, quero ler-te os lábios, quero, eu própria, aprender a saltar essa cerca das dificuldades.
Gostava que te irritasses mais, que te revoltasses, que te zangasses, que te indignasses de cada vez que, na clínica onde diariamente fazes o penso, ouves da boca dos enfermeiros frases menos apropriadas em relação a ti. Gostava que interiorizasses que tens direitos, que não és menos pessoas que os demais, que tens de resmungar.
Eu imagino que a vida que evas é triste, incompleta. E imagino que cada vez que olhas para trás, para um passado não muito distante, vês e sentes o quanto te foi tirado.
Mas tu pai, não te deixaste morrer. Não permitiste que a morte falasse mais alto quando ela apareceu tão sorrateira. Por isso peço-te que agora tenhas a força para enfrentar a vida!
Da tua filha

frustração

contra esta nada posso.
Hoje queria muito poder ter estado com uma amiga muito querida que precisa, de certeza, de uma palavra minha. Perdeu o seu pai. E eu, talvez por ter esse fantasma tão perto de mim, sinto-me ainda mais solidária com a sua dor.
Mas não consegui. Tenho tanto trabalho que não consegui sair para a missa. E o que fazer quando esta frustração, este vazio horrível nos invade?
Descula Jó.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Saudade

Hoje acordei com o som da voz do meu pai nos meus ouvidos... ele estava a cantar.
Depois percebi que tinha sido um sonho, que ele nunca mais vai falar. Que essa grande mutilação não tem retorno. E eu nunca pensei que tê-lo ali pudesse, por instantes, não ser suficiente. Queria tanto que este silêncio que nos atravessa fosse interrompido por uma gargalhada... ou mesmo um ralhete. Ralha-me, pai. Eu juro que não te levo a mal