quinta-feira, setembro 29, 2005

O cutelo

Ao criar este espaço assumi perante mim mesma o compromisso de ser honesta, de escrever sobre o que sinto, de, pelo menos, tentar dizer o que me vai na alma. E acreditem que é muita coisa. Por vezes parece que estou fora do meu corpo, como uma mera espectadora, a ver a velocidade a que as coisas acontecem e se passam comigo.
Acho que é raro fazer-se um balanço de vida antes dos 50. No entanto, aos 29 já muitas vezes olhei para trás. Talvez pelo terror de perder o que tenho: os meus amores, a minha família, os meus amigos...
Sou uma pessoa feliz. Tenho do meu lado o homem que escolhi (e melhor não podia ser); tenho o filho mais maravilhoso do mundo; os pais e irmão que qualquer um poderia desejar e os amigos mais extraordinários e generosos que alguém pode sonhar ter.
E no entanto, há momentos em que nada disto me vale, em que sinto um buraco imenso e escuro abrir-se bem à frente dos meus pés e onde posso cair a qualquer momento. A luta que travo é injusta e não tem um final conhecido. Por mais que lute, por mais que me empenhe, não sei se vou sair vencedora.
Quando fecho os olhos e tento passar em resumo os últimos seis meses da minha vida tenho alguma dificuldade em acreditar em tudo o que aconteceu.
Antes de ser operada o cirurgião que me seguiu disse-me que o pior ainda estava para vir. Que só depois da operação e dos tratamentos é que iria sentir "o cutelo sobre a cabeça". Há dias em que esqueço que estou doente. Aqueles dias em que o sorriso do Henrique basta para me iluminar. Mas há outros dias em que sinto o cutelo a roçar-me os cabelos, pronto a cair sem dó nem piedade. É contra esses dias cinzentos, que me tolhem o corpo e a alma, que luto quase tanto como luto contra a doença.

É verdade: rendi-me!

Sempre pensei que seria daquelas pessoas que nunca se rendem ao blog. E estava a ser bem sucedida. Foram muito raras as vezes que entrei em blogues de amigos, nunca pesquisei informação em blogues de desconhecidos... e até me irritava ligeiramente com a febre em torno deles e com a tese da sua eficiência democrática.
Tudo parecia estar bem encaminhado até hoje, dia 29 de Setembro quando, seguindo a sugestão de uma amiga, resolvi ler o texto que um amigo comum tinha escrito a propósito do nascimento do seu filhote. Pois é Vitor, tu és o verdadeiro responsável por esta mudança de comportamento.
Ler o texto que o Vitor escreveu sobre o Miguel mexeu comigo. De tal como que não consegui conter as lágrimas. Estava ali grande parte do que eu própria tinha sentido quando o meu filhote nasceu. Ainda por cima escrito por alguém que não eu. Então pensei que, se calhar, estava na altura de passar para a escrita algumas das emoções que me têm acompanhado nestes últimos meses.
A ti, Vitor, obrigada.
Obrigada também à melhor amiga do mundo que me ajudou a criar este espaço.