quarta-feira, março 19, 2014

Regresso ao passado

No domingo fui jantar com a S. A S é a minha amiga mais antiga. Estamos juntas desde o sétimo ano, o que equivale dizer que estamos juntas desde os nossos 12 anos. Durante mais de 10 anos ela foi um prolongamento da minha pessoa, as horas que passámos juntas... Meu Deus, que loucura. Fisicamente muito diferentes mas tão próximas de feitio. Aos poucos, a minha família passou a ser a dela e a dela a minha. Ainda me lembro de me dizer que o pai dela não era nem de grandes conversas nem de grandes risos, e pouco tempo depois de o conhecer arranquei-lhe um sorriso rasgado... O que nos rimos desse momento, parecíamos duas maluquinhas.
Há momentos da minha vida, do meu crescimento, que não fazem sentido sem ela. As Wilson Philips, os A-Ha, o George Michael, o Dirty Dancing... As revistas, os livros... As tardes passadas em cima da cama dela a ouvir música, a mãe a chamar-nos para comer, os jogos do Benfica...os namorados, os bailes da escola, os corações partidos, o choro, a tristeza.... A entrada na faculdade. Quando penso nisso, foram tantos os momentos que partilhámos... E depois a vida foi-nos afastando. Não ao nosso bem querer mútuo, isso é inabalável. Mas a rotina da vida foi-nos levando para sítios diferentes.
Depois eu fiquei doente. E ela não estava lá quando eu acordei. Nem no hospital, nem na minha casa... Lembro-me de quando me foi ver. Fez-me farófias. Não sei precisar se foi muito ou pouco tempo depois de ter estado nas profundezas do meu calvário. Mas lembro-me que me fez falta. E lembro-me de ter ficado magoada.
E depois a vida voltou a mostrar-me que o nosso bem querer não vai desaparecer quando o pai da S. Ficou doente. Assim, no espaço de pouco mais de uma semana foi-lhe diagnosticado um tumor inoperável na cabeça e ele morreu no decorrer da biópsia. E pouco tempo depois foi a vez do meu pai ficar doente e de morrer. E ela lá estava, daquela vez não me falhou. Acompanhou-me na pior das minhas dores. E sabemos que ficámos órfãs de pai duas vezes porque o nosso bem querer é assim.
Na semana passada a S. ligou-me a dizer que está doente. E eu queria que se abrisse um buraco no chão paras me engolir. Estes últimos dias têm sido muito difíceis. Tenho tentado resolver uma série de sentimentos, e talvez de ressentimentos que achava resolvidos. Mas tenho, sobretudo, pensado que não lhe posso faltar. Tenho de estar lá, de lhe passar a mão na cabeça, de lhe dar um beijo, de lhe dizer que a adoro e que o meu bem querer por ela nunca vai ter fim.
E, embora não lhe possa dizer, vou abraçá-la pensando que ela não me pode morrer. Ainda há tanta coisa para fazermos juntas, tantas revistas para ler, tantas músicas para partilhar. Ainda tenho de voltar à sua casa e buzinar à porta (como fazia no inicio da nossa idade adulta, como fiz no passado domingo quando fomos jantar) para ela sair; ainda nos falta tanta parvoíce juntas.... As namoradas do Henrique (a quem me vou queixar delas?), os namorados da Alice, as primeiras bebedeiras, a faculdade...
Quinta-feira vai ser o primeiro dia de uma nova fase. Mas não pode e não vai ser o início de um final. Vai ser apenas um recomeço que espero que sirva para nos juntar ao essencial, ao nosso bem querer.

3 comentários:

Helena Barreta disse...

É tão difícil lidarmos com a nossa impotência perante a doença dos que amamos, vê-los a sofrer com a maldita doença e não podermos fazer nada, ou melhor, fazer pouco. Mas podemos dar abraços, beijos, fazer rir e chorar a rir, estarmos lá para apaziguar a solidão e dizer-lhes o quanto os amamos.

Que a coragem não lhe falte para apoiar a sua amiga e que Quinta-feira seja o primeiro dia do resto das vossas vidas. Que tudo corra bem.

joão disse...

Infelizmente é nestas alturas que vemos a qualidade dos amigos que temos.São situações complicadíssimas mas os nossos amigos percisam muito de nós nestas alturas. Por eles e para eles temos que arranjar forças onde pensamos que muitas vezes não existem. Coragem. Muita força e espero que a sua amiga consiga superar os problemas e que quando tudo terminar possam olhar para trás como se tudo tivesse sido "apenas" um pesadelo.
Que tudo corra bem.Um abraço.
J.P.

Lili disse...


<3