quinta-feira, março 06, 2014

Os pais

Os acontecimentos dos últimos dias têm-me feito pensar muito nos meus pais, em tudo o que fizeram pela educação dos seus filhos, em muitas das decisões que tomaram enquanto educadores e que eu, na altura, contestei com todas as forças do meu ser.
Cresci num meio bastante humilde. Em minha casa nunca se passou fome nem nada parecido, mas o fiambre era um luxo e o queijo não se desperdiçava (era o que a minha mãe considerava enrolar uma fatia de queijo e metê-la à boca. O queijo era para comer com pão).
Os meus pais, em especial o meu pai, foram muito duros na nossa educação (minha e do meu irmão). Muitos castigos, muita proibição, muita autoridade ou, pior, muito autoritarismo. Lá em casa ouviam-se amiúde frases como "a porta da rua é a serventia da casa", "filho meu só me levanta a mão uma vez porque a seguir parto-lha", "quem está mal que se mude" ou "é assim porque na minha casa são as minhas regras".
Se o meu irmão dava dores de cabeça aos meus pais em questões de comportamento e aproveitamento escolar, eu era o oposto. Melhor aluna da turma, bem comportada. A única queixa era residia (já na altura) no facto de não conseguir estar calada. Mas isto para explicar que lá em casa não havia facilidades. Os meus pais matavam-se a trabalhar para que nada nos faltasse (inglês, karaté, explicações..) mas em troca exigiam disciplina, não nos queriam na rua a vadiar, sendo que o conceito do meu pai de vadia incluía coisas como ir a casa de uma amiga fazer um trabalho de grupo. De cada vez que eu queria sair a luta era tão grande que, muitas das vezes, preferia ficar em casa, tal era o desgaste.
Passei por fases muito difíceis no meu relacionamento com os meus pais, em especial com o meu pai. Muita coisa ficou resolvida com terapia; mas outra parte só se resolveu quando saí de casa. Aí sim, comecei a aproximar-me do meu pai, a ter longas conversas com ele, a perceber, de alguma forma, algumas das suas acções enquanto pai.
Depois do Henrique nascer ficámos ainda mais próximos e foi muito curioso perceber como o meu pai, que fora tão duro e autoritário com os seus filhos, estava a ficar uma manteiga derretida, um avô mimoso, carinhoso, paciente... muitas das qualidades que lhe faltaram enquanto pai. Não me lembro do meu pai me mimar ou abraçar em criança. Talvez esteja a ser injusta, mas não me recordo mesmo.
Ser mãe ajudou-me a perceber muitas das acções do meu pai. Não significa que concorde com elas, mas percebo-as à luz da época, do meio onde vivíamos, dos perigos, dos medos dele, da sua insegurança enquanto pai...
Muitas das pessoas que cresceram comigo têm uma vida complicada, seguiram caminhos estranhos, perigosos...
Não renego o local onde nasci e cresci e muito menos as pessoas que me ajudaram a crescer, mas a verdade é que hoje percebo que aquele meio não prestava para nada e era uma verdadeira incubadora de marginais. Nos últimos dias aconteceu algo de grave com uma das pessoas que brincou comigo enquanto criança. Mesmo para ele, que levava uma vida perto da fronteira, o que aconteceu não deixa de me surpreender. Algo de horrível e, sobretudo, um duro golpe para os pais dele.
Depois de saber o que se tinha passado não conseguia deixar de pensar no meu pai e nas saudades que tenho dele. Naquele momento apetecia-me tanto dizer-lhe que o percebia, que sabia exactamente o que ele queria evitar mantendo-nos longe da rua...
Obrigada, pai.

1 comentário:

Helena Barreta disse...

Tenho para mim que os pais que melhor exercem aquilo que se espera deles são os que sabem dizer não.

É claro que quando queria sair e dizia "mas a fulana tal e a outra também vão" e o meu pai com a calma e ternura que lhe conhecíamos me dizia que não, não podia ir, ficava chateada, principalmente quando me diziam "quando fores mãe vais perceber". E percebi.

Não sou avó, mas tenho oito sobrinhos-netos e vejo agora que o tão falado papão dos avós estragarem os netos é tão simplesmente o facto de ficarmos com a parte boa e doce da educação das crianças, enquanto pais temos a nosso cargo a disciplina, os horários a cumprir, as regras, os limites, os ralhetes e as preocupações, as noites mal dormidas, as doenças, os tão mal amados t.p.cs. que tantas dores de cabeça dão, o tempo contado e o patrão a exigir mais e mais e os ténis e as calças que deixam de servir de um mês para o outro e é preciso comprar mais e o dinheiro que não estica, enquanto avós, ficamos livres para deixar sobressair as qualidades que viu no seu pai enquanto avô do Henrique.

Bom fim de semana