sexta-feira, outubro 09, 2009

Ano I depois de ti

Faz hoje um ano que o meu pai morreu. Não posso dizer que tenha sido sem aviso, ele estava doente há dois anos, vivia num grande calvário e, talvez por isso, tenha decidido desistir. O seu enorme coração já não suportava tanta dor e tanta tristeza. E assim, apesar da alegria de ver os netos, apesar da minha mãe, de mim e do meu irmão, ele decidiu que não queria viver mais.
E quem me conhece sabe que sou a última pessoa a criticar ou a condenar o meu pai. O que ele vivia, sendo viver, ja não era quase nada. Era coisa pouca para um homem tão grande e tão generoso.
Faz hoje precisamente um ano que soube o que era perder um bocadinho de mim. E, fechando os olhos, lembro-me de quase tudo o que aconteceu nesse dia.
Todos tínhamos consciência que o meu pai nos estava a escapar por entre os dedos; ele já tinha desisitido há alguns dias; lembro-me do telefonema para me ir despedir dele; recordo-me perfeitamente dos minutos que estivemos a sós... ele já inconscinete, sereno, tranquilo. O coração a bater cada vez mais devagar; sei exactamente o que lhe disse, os beijos que lhe dei, as saudades que comecei a sentir logo naquele instante... E depois saí, fui a casa escolher uma roupa, a mais bonita, tudo a condizer (o meu pai adorava que eu lhe escolhesse a roupa)... e depois o telefonema do meu irmão, a chegada ao hospital, o olhar para ele já sem vida, a tristeza da minha mãe, o desespero do meu irmão. E quando olhei para o meu irmão, roupa nos braços para vestir o meu pai com um coleg de trabalho, soube que não o podia deixar com um estranho a fazer a mais penosa das suas tarefas: aquele não era um morto, era o nosso pai. E ainda não sei como, contrariei todas as minhas crenças e entrei naquela sala para o vestir, num ritual muito ambíguo: triste, muito triste mas, simultaneamente, com algum orgulho por sermos nós, naquele momento, a tratar dele.
E depois foi tudo muito rápido. Um ano a voar, o primeiro aniversário do mano sem ele, o primeiro Natal, o meu primeiro aniversário, o dele, o do Henrique, o da mãe, o dia do pai....
E a cada dia que passa sinto mais saudades dele...

7 comentários:

Anónimo disse...

Doi muito. A caminho dos 13 anos sem o meu mano e aquele dia continua gravado. A impressão que estava vivo, o meu mundo a ruir, o desespero da minha mãe, o choro do meu pai, a minha obcessão em tirá-lo daquela corda e assim protegê-lo de olhares indiscretos, as pessoas que foram aparecendo, a procura por uma última mensagem dele, a chegada da polícia, o Freddy, o cão dele, a ganir entristecido como se tudo soubesse. E as últimas palavras duras que lhe dirigi, no meio de mais uma grave crise familiar que eram então de uma frequência avassaladora. O meu irmão, o meu quase filho, o meu cúmplice de tantas horas.
Foi-se um pedaço de mim, desfez-se um pouco mais a nossa família. Cresceram as saudades. Só com ele estaria completa nos momentos felizes que entretanto vieram. Mas apaziguaram-se as culpas, serenaram-se os corações, na certeza que enquanto esta lembrança existir ele está comigo. Como o teu pai permanecerá convosco. Muita força para ti e desculpa esta invasão.
Susana

Anónimo disse...

Beijos e abraços...

Kel disse...

Como te entendo... tanto, tanto...

mãe disse...

Um beijinho. É o que te posso dar.
Cocas

idorine Maria disse...

A minha dor, como sabes, é mais recente, mas o guião é muito parecido. Hoje, dia 9 de Outubro, os meus pais fariam 43 anos de casados. Para sobreviver a este dia, serviu ao meu pai o consolo de saber que amou a minha mãe o mais que pôde do primeiro ao último minuto. A mim serviu-me o consolo de que o amor deles tem, de alguma forma, o seu espelho em mim. A partida tão precoce da minha mãe foi o choque mais brutal que alguma vez sofri mas fez-me perceber uma coisa tão simples quanto bela: a morte não é o fim, é meramente uma ausência. As pessoas continuam, de facto, vivas nas pessoas e nas coisas que as rodeavam.
A minha mãe continua por cá. O teu pai também. E, agora, ambos se conhecem através de nós.
Grande beijo!!

3Picuinhas disse...

Depois de a minha avó morrer mudei-me para um 11º andar. Durmo sempre com os estores levantados e as cortinas abertas para ver o céu e as estrelas. Todas as noites, o meu último pensamento vai para ela, para aquela luzinha brilhante no canto superior esquerdo da moldura da janela. E todas as noites lhe peço desculpa pelo que não disse e não fiz, pelo último beijo que me falhou, pela dor que sinto, pela pena e pela tristeza. E às vezes lembro-me de ti, e de como me comovi quando te visitei pela primeira vez e como não sabia ainda que dali a pouco poucochinho partilharia a tua dor.

IPQ disse...

obrigada a todas vocês.