quinta-feira, março 12, 2009

Contra a hipocrisia

Morreu o João Mesquita. Para quem não sabe, o Mesquita era jornalista. Dos bons, dos tesos, sobretudo, dos íntegros, o que é cada vez mais raro nos dias que correm. Esta noite passei os olhos por o que algumas pessoas disseram do João, do seu percurso, do seu carácter, da sua honestidade e frontalidade. Eu sinto-me triste. Porque o conheci, porque tive a felicidade de trabalhar consigo e porque, depois da morte do seu amigo e companheiro Torcato, me sinto um bocadinho mais orfã de referências.
Muitas vezes me lembro do Torcato e da forma como estes dois estarolas andavam juntos pel'A Capital. E se é verdade que A Capital tinha problemas estruturais, não é menos verdade que foi um local que me deu muito. Deu-me a oportunidade de trabalhar directamente com o Torcato no suplemento GLX, deu-me o privilégio de privar com o João Mesquita, deu-me o prazer de conversar todas as semanas com o Appio... preciosidades que não têm preço e que fizeram de mim melhor jornalista e um ser humano mais tolerante.
E é por isso que hoje, lendo o que se escreveu sobre o Mesquita, não posso deixar de sentir revolta. Revolta contra a hipocrisia de certos amigos que tantas linhas te dedicaram nos jornais de hoje. Hoje a igreja estava repleta de famosos: do jornalismo à política.
Gostava de saber onde é que a grande maioria destes senhores estava neste últimos anos da sua vida, em que estava desempregado, já sem o subsídio de desemprego. Lembro-me de algumas colaborações que o João fez para o Torcato, falámos delas. Mas nuca lhe foi permitido o regresso a uma redacção. E se era assim tão bom como hoje se disse (e eu sei que ele era) porque motivo o deixaram no desemprego desde 2003, altura em que foi despedido de A CApital?
Leio o editorial do Público e tenho vontade de rir... o João foi para Coimbra desempregado porque o actual director do Público foi protelando a decisão de o transferir para a delegação de Coimbra. Adiou a coisa por tanto tempo que o João teve de se demitir e ir para Coimbra na qualidade de desempregado...
Eu lembro-me da sua honestidade, da sua integridade e, infelizmente, também me lembro da tristeza que via no seu olhar sempre que a conversa era o jornalismo, a forma pesarosa como dizia que as colaborações eram poucas e mal pagas... a doença deixou-o triste mas acredito que se conseguisse ler o que dele escreveram daria duas ou três gargalhadas...

6 comentários:

Paula Sofia Luz disse...

Eu também conheci o João. Sempre preocupado com os direitos de todos nós, sempre pronto a dar um conselho. Não sabia nada dele há muito tempo, muito menos do que a vida lhe tinha feito, na era das "marcas" e dos "conteúdos".
Bom texto, justa homenagem, umas verdades muito bem ditas.

Anónimo disse...

Não posso estar mais de acordo, É inacreditável como certas pessoas reescrevem a história, como é o caso de JMF no editorial de hoje, que tresanda a má consciência e hipocrisia. Por que razão um jornalista como João Mesquita foi afastado das redacções? Era incómodo? Estava velho? Alguém tem uma resposta? Alguém genuinamente se importa com o que se está a passar com o jornalismo, cada vez mais uma profissão de gente descartável, de gente que é encarada como tendo prazo de validade?
Do João Mesquita vou conservar a imagem de um homem digno, de gargalhada fácil. Parece pouco mas não é.

Rui Baptista

Paula Sofia Luz disse...

Olá Inês. Linkei-te no meu blogue. Espero que não te importes :)

IPQ disse...

Olá. Não me importo nada.
Obrigada

MCP disse...

Inês, as tuas verdades e os teus sentimentos comoveram-me. É preciso estar à altura da integridade de pessoas como o João Mesquita para as sombras não taparem tudo. Esteja onde estiver, de certeza que ficou com o coração mais cheio por ouvir a tua voz. O meu ficou. Temos aprendido umas quantas lições neste mundo do jornalismo português. Agora, que estou mais afastada, tenho saudades desse ideal de ser jornalista mas com alma que não cede. A realidade é mais negra mas cada palavra de resistência alimenta um pouco a esperança que possa ser melhor.

3Picuinhas disse...

Querida princesa,
Por aqui no meu tasco comentámos exectamente o mesmo, "tão bom que ele era" e ninguém se dignou a dar-lhe emprego... é a hipocrisia no seu esplendor. Infelizmente, depois dos 40 parece que entramos numa reforma precoce, e ou tens uma espinha dorsal muito elástica ou tás desgraçado.