quinta-feira, janeiro 11, 2007

Porque ainda não te escrevi


Primeiro eu. Lembro-me claramente do teu olhar enquanto me dizias que já tinhas mais de cinquenta anos e que era uma injustiça ser eu, com 28, a ficar doente. "Como é que Deus nos fez isto?", perguntaste. Eu nã tinha resposta para te dar. Porque já tinha virado as costas à religião há alguns anos e porque estava ainda, eu própria, à procura de uma orientação, algo que me fizesse ir na direcção certa; procurar resolver o problema, pensava, sem revoltas e, sobretudo, sem entrega.
Tu lá ficaste com o teu coração de mãe dilacerado a pensar o que fazer para me ajudares...
Depois os acontecimentos foram-se sucedendo muito rapidamente, sem tempo para grandes conversas ou grandes reflexões: exames, mais exames, consultas médicas, diagnósticos, prognósticos, operação, quimioterapia, radioterapia, mais internamentos. E tu sempre ali, firme como uma rocha. Todos os dias me ias visitar. Tu e o pai, claro. tomavas conta do meu filho, tomavas conta do meu marido... tomavas conta de mim.
No teu olhar a tristeza e a revolta. Mas para mim tinhas sempre uma palavra de conforto e de luta, "não podes desistir". E eu lutei, porque me estava na alma mas, sobretudo, porque assim me tinhas educado, a não baixar os braços perante a adversidade. E esta nossa luta foi bem dolorosa. Digo nossa porque às minhas dores físicas junto as da tua alma. Tu sofrias por mim.
Depois melhorei e pensei que poderíamos ter alguma paz, que o nosso pequeno clã poderia respirar de alívio.
Mas tu já estavas a empreender uma outra luta: a do pai. Poucos meses depois foi a vez dele. Cancro assim tão logo a seguir ao meu? aí sim, sentiste-te injustiçada. O teu Deus ainda não te tinha dado tempo de te recuperares de uma dor e já estavas tu a ser arrastada, novamente, para os corredores dos hospitais, para aquele ambiente mórbido de batas brancas, meias conversas...
Mas tu, não sei com que forças, lá te mantiveste novamente firme, a amparar o pai nos teu braços, com tanta ternura mãe, tanto amor. Que dedicação.
E o caso dele, que aparentemente era bem mais fácl que o meu, foi-se complicando e complicando até chegarmos aqui a este beco. E estamos assustados. Tu, tu estás exausta, esgotada. Nem sequer tens tempo para as tuas muitas dores. Suspendeste a fisioterapia... "Mas como é que eu posso deixar o teu pai sozinho em casa. Logo agora?".
És maravilhosa mãe. és uma guerreira, uma mulher inteira, completa, defensora da sua família.
Um dia quero ser como tu.
Obrigada

7 comentários:

Anónimo disse...

Muito bonito! Tenho a certeza que a tua mãe tem muito orgulho em ti. Mas acima de tudo sei que és como ela.
Um beijinho muito especial
Cocas

Anónimo disse...

Muito bonito e comovente o teu post. Pois fez-me relembrar tudo aquilo que a minha mãe passou tb aquando do meu problema, sempre com as suas dores, mas sempre ao meu lado a dar-me forças.
Uma beijoca com carinho

Anónimo disse...

a tua mãe é simplesmente extraordinária. Já tinha reparado.
CG

Anónimo disse...

2007 vai ser muito melhor!! Vai correr tudo muito bem. Acredita Princesa.
Beijinhos e um kit de abraços para usares qdo melhor entenderes ***

JPN disse...

[não escrevi nada mas passei por aqui. comovido. fico feliz por teres vencido essa luta]

S.L.B. disse...

"Tenho a genica que a qualquer um engrandece / Sou dum clube lutador / Que na luta com fervor" Nunca estes versos foram tão bem aplicados como a ti. Bjs!

IPQ disse...

Meu caro benfiquista.
Só tu para me animares com versos clubísticos. Obrigada