terça-feira, outubro 04, 2005

Medos

Ver estapado nos olhos dos outros o medo que pensamos que só existir nos nossos é ago de estranho, triste e reconfortante. Estranho porque parece que nos estamos a ver reflectidos no outro e ver, com maior rigor, certas atitudes e comportamentos. Triste porque quem sente este medo, esta angústia que tolhe e nos deixa sem capacidade de resposta, deseja, no seu íntimo, que mais ninguém passe pelo mesmo. Reconfortante porque, se uma parte da nossa existência quer que este medo não seja partilhado com mais ninguém, há uma outra que se sente reconfortada, amparada na dor ao saber que não estamos sós.
Hoje fui ao médico. Consulta de rotina, uma das muitas que me esperam nos próximos anos. Aquele é um ambiente que já me é familiar. Acho mesmo que seria capaz de lá chegar de olhos fechados, percorrer aqueles corredores sem precisar de os olhar. Os cheiros, os sons... já estão cravados em mim.
Sentei-me. Vislumbrei algumas caras familares. Companheiros da dor. Cada um com a sua história, cada um com o seu medo. Entre sorrisos e palavras de conforto ficou um sentimento estranho, um mal estar generalizado que me percorreu o corpo e que ainda agora sinto.
No fundo, acho que desejo não pertencer aquela realidade. Estou ali mas não estou. Não ouso pertencer aquele grupo de pessoas que aprendeu a viver com uma doença tão grave. Não ouso ou não quero? Parte de mim recusa-se a pensar assim, daquela forma. Não quero que o cancro seja parte integrante de mim. Desejo apenas que seja uma passagem, um momento menos bom da minha vida. Estar ali sentada com aquelas pessoas faz-me duvidar desse estado transitório... tudo parece mais definitivo. O conformismo que vi estampado não o quero para mim.
Mas, ao mesmo tempo, não posso deixar de admirar pessoas que há vários anos lidam com a doença e, mesmo assim, prosseguem a sua vida com a maior normalidade possível.

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