Ontem comemorámos o ano 56. Fizeste 56 anos. Nunca os tinhas passado numa cama de hospital. E eu pensei que tu nem sequer passarias por eles. Não sei se o termo comemorar é o mais indicado no teu caso.
Claro que estou feliz por estares vivo. Mas este ano não devia ser comemorado. Devia antes ser ignorado. O ano em que tanto sofreste, em que foste tão mutilado... é bom que ainda cá estejas, entende-me. Eu não te desejo a morte. Pelo menos, não agora. Já ta desejei. E não há muito tempo, acredita-me.
Agora conforta-me saber que lutas, que queres viver, mesmo que não seja por muito tempo.
De qualquer forma, continuo a achar que a entrada nos teus 56 não merece comemorações.
quinta-feira, março 29, 2007
segunda-feira, março 26, 2007
Percepções
Fui ver-te. Estavas igual aos últimos dias. Foi uma visita em tudo similar às anteriores. O que mudou foi a minha percepção da realidade. O que antes era um cenário mais idílico, em que sonhava com possíveis recuperações e uma vida a médio prazo, passou a ser muito mais limitado. O tempo passou a ter outro valor. Cada segundo que passo contigo é mais precioso que o anterior. Foi isso que mudou. A importância que lhe atribuo. Ao tempo, as horas, aos minutos, aos dias. Tu estás igual, sem grandes receios, sem grandes ansiedades ou medos (para além dos muitos que já tinhas, é verdade).
Mas essa visão de que só em nós tudo mudou apazigua-me.
Mas essa visão de que só em nós tudo mudou apazigua-me.
sexta-feira, março 23, 2007
Normalidade
Tento viver com alguma normalidade. Digo alto e pausadamente NOR MA LI DA DE.
Levanto-me pela manhã, bem cedo. Trato de mim, trato do filho, tomo o pequeno-almoço. Vou para o trabalho. Procuro nas caras dos desconhecidos algumas pistas das suas vidas. Procuro na luz do Tejo algum contentamento. Sento-me aqui, todos os dias, até ao bater das 18h.
E faço o caminho de regresso: comboio, metro, casa, brincadeiras , banho, caderneta do Bob o Construtor, jantar, uma história, um pouco de televisão e a cama. Onde procuro o sono. Uns dias a procura é mais demorada que em outros.
Tento viver com alguma normalidade.
Mas já nem sei bem o que isso é. Voltei a dormir de telemóvel ligado. Voltei a ter sobressaltos a meio da noite. Voltei a pensar se tenho ou não coragem de te ir visitar, de te olhar nos olhos e dizer que vai ficar tudo bem, mesmo sabendo que te estou a mentir.
Afinal, o que é a normalidade? O que é que para mim seria normal numa altura destas? O que eu quero e o que acho melhor nem sempre são pensamentos coincidentes.
O que queria viver e o que vivo também nem sempre coincidem. Ultimamente então...
Levanto-me pela manhã, bem cedo. Trato de mim, trato do filho, tomo o pequeno-almoço. Vou para o trabalho. Procuro nas caras dos desconhecidos algumas pistas das suas vidas. Procuro na luz do Tejo algum contentamento. Sento-me aqui, todos os dias, até ao bater das 18h.
E faço o caminho de regresso: comboio, metro, casa, brincadeiras , banho, caderneta do Bob o Construtor, jantar, uma história, um pouco de televisão e a cama. Onde procuro o sono. Uns dias a procura é mais demorada que em outros.
Tento viver com alguma normalidade.
Mas já nem sei bem o que isso é. Voltei a dormir de telemóvel ligado. Voltei a ter sobressaltos a meio da noite. Voltei a pensar se tenho ou não coragem de te ir visitar, de te olhar nos olhos e dizer que vai ficar tudo bem, mesmo sabendo que te estou a mentir.
Afinal, o que é a normalidade? O que é que para mim seria normal numa altura destas? O que eu quero e o que acho melhor nem sempre são pensamentos coincidentes.
O que queria viver e o que vivo também nem sempre coincidem. Ultimamente então...
quinta-feira, março 22, 2007
Voltas
Ando às voltas. Sinto-me perdida. Ontem entrei no comboio com a esperança de que a visão do mar me serenasse o espírito. Mas depressa o azul do mar foi substituído por deprimentes blocos de apartamentos, marquises de alumínio, roupa estendida sem critério, ruas sujas e tristes. E o que deveria ter sido um passeio higiénico acabou por ser uma triste constatação de que um subúrbio é sempre um subúrbio. Mesmo quando o mar está por perto.
Ando às voltas. Tento sair de mim e voltar a entrar, como um corpo estranho, para me poder ver com outros olhos, mas não consigo. Os olhos com que me vejo são os mesmos de sempre. Aqueles que vêem a angústia nos teus; aqueles que vêem a tristeza nos do mano, o desespero nos da mãe. Os meus olhos estão como eu, cansados. Precisavam de se fechar.
Ando às voltas. Tento sair de mim e voltar a entrar, como um corpo estranho, para me poder ver com outros olhos, mas não consigo. Os olhos com que me vejo são os mesmos de sempre. Aqueles que vêem a angústia nos teus; aqueles que vêem a tristeza nos do mano, o desespero nos da mãe. Os meus olhos estão como eu, cansados. Precisavam de se fechar.
quarta-feira, março 21, 2007
Coincidências e incidências da vida
Fez ontem um mês que ditaram o fim. Eu acreditei. Fiz o meu luto, preparei-me da forma que me foi possível preparar.
Depois fui surpreendida por uma força maior: a tua.
Só que as nossas forças não são ilimitadas. E quando parecia que a esperança era algo concreto e palpável, volta tudo para trás. Por uma coincidência foi ontem, um mês depois.
E agora?
Depois fui surpreendida por uma força maior: a tua.
Só que as nossas forças não são ilimitadas. E quando parecia que a esperança era algo concreto e palpável, volta tudo para trás. Por uma coincidência foi ontem, um mês depois.
E agora?
Retrocesso
Quando tudo parecia encaminhado voltámos a dar alguns passos atrás.
O medo paira novamente sobre as nossas cabeças. Mais sobre a tua...
O medo paira novamente sobre as nossas cabeças. Mais sobre a tua...
terça-feira, março 20, 2007
Estado da Informação
Hoje, ao abrir o clipping da empresa na qual trabalho, dei de caras com a notícia da morte de Ray-Gude Mertin. Mas como, pensei eu, se ela morreu a 13 de Janeiro?
Vi qual era a fonte de notícia, um portal do Minho, um tal mais actual e apressei-me a ligar para desfazer o engano. Resposta do outro lado: "Onde é que está mesmo a notícia? Na música? Vou já tirar, obrigadinha."
Não, sua ignorante, não está na música. a Ray-Güde era uma agente literária.
Mas mais do que ficar chocada com a ignorância da senhora em questão (a quem me recuso chamar jornalista), foi a facilidade com que me disse que retirava a notícia. Estava ali aquela como poderia estar qualquer outra, sem qualquer critério de rigor.
Vi qual era a fonte de notícia, um portal do Minho, um tal mais actual e apressei-me a ligar para desfazer o engano. Resposta do outro lado: "Onde é que está mesmo a notícia? Na música? Vou já tirar, obrigadinha."
Não, sua ignorante, não está na música. a Ray-Güde era uma agente literária.
Mas mais do que ficar chocada com a ignorância da senhora em questão (a quem me recuso chamar jornalista), foi a facilidade com que me disse que retirava a notícia. Estava ali aquela como poderia estar qualquer outra, sem qualquer critério de rigor.
domingo, março 18, 2007
Contabilidade
Começo a perder a conta aos dias, o que me parece um bom princípio. Já faz quase um mês que ditaram a tua morte. E tu, casmurro como só tu sabes ser, decidiste que ainda não tinha chegado a tua hora e que, dependendo de ti, ainda havias de dar luta.
e sei que é assim que estás, a dar luta. Por mais que mantenhas os olhos fechados quando te visito, por mais cansado e cabisbaixo que te veja sei que, no teu íntimo, não baixaste os braços. Tu lutas, eu sinto-o, mas é difícil, penosamente difícil, manter o espírito 24 horas por dia.
Não é pai? Porque para ti os dias são todos iguais, as horas correrm a um ritmo muito próprio, muito lentamente... demasiado lentamente, posso adivinhar. Dias e noites devem-se confundir na tua memória... o teu calendário deve ser muito peculiar. Imagino o que marcará a evolção do teu tempo... como é que ele corre, como o contabilizas?
Até as visitassão sempre as mesmas...
Nunca foste de grandes conversa mas, agora que não mais voltarás a falar, imagino que tudo seja mais doloroso... ninguém com quem desabafares o que te via na alma... Estás privado de grande parte da tua vida, da tua rotina. Não comes, não falas, não vês os teus amigos, não estás em tua casa... não sabes se isto vai passar ou não....
Eu acredito que ainda tens muito para contar. Eu cá vou estar, a ler-te nos lábios, como gosto de fazer.
Um beijo do tamanho do mundo, e doces sonhos, pai.
e sei que é assim que estás, a dar luta. Por mais que mantenhas os olhos fechados quando te visito, por mais cansado e cabisbaixo que te veja sei que, no teu íntimo, não baixaste os braços. Tu lutas, eu sinto-o, mas é difícil, penosamente difícil, manter o espírito 24 horas por dia.
Não é pai? Porque para ti os dias são todos iguais, as horas correrm a um ritmo muito próprio, muito lentamente... demasiado lentamente, posso adivinhar. Dias e noites devem-se confundir na tua memória... o teu calendário deve ser muito peculiar. Imagino o que marcará a evolção do teu tempo... como é que ele corre, como o contabilizas?
Até as visitassão sempre as mesmas...
Nunca foste de grandes conversa mas, agora que não mais voltarás a falar, imagino que tudo seja mais doloroso... ninguém com quem desabafares o que te via na alma... Estás privado de grande parte da tua vida, da tua rotina. Não comes, não falas, não vês os teus amigos, não estás em tua casa... não sabes se isto vai passar ou não....
Eu acredito que ainda tens muito para contar. Eu cá vou estar, a ler-te nos lábios, como gosto de fazer.
Um beijo do tamanho do mundo, e doces sonhos, pai.
segunda-feira, março 12, 2007
Relato de uma certa normalidade
Agora quase que posso respirar...
O meu pai melhora, pouco, mas melhora.
Eu voltei ao trabalho e começo a decifrar as novas rotinas e hábitos das novas gentes com quem me cruzo.
O meu filho voltou a ficar doente...
Sinto-me novamente na gestão da minha conta corrente que é a minha vida.
Sem queixumes.
Às vezes é bom voltar a uma certa normalidade tranquilizadora.
Fazia-me falta.
O meu pai melhora, pouco, mas melhora.
Eu voltei ao trabalho e começo a decifrar as novas rotinas e hábitos das novas gentes com quem me cruzo.
O meu filho voltou a ficar doente...
Sinto-me novamente na gestão da minha conta corrente que é a minha vida.
Sem queixumes.
Às vezes é bom voltar a uma certa normalidade tranquilizadora.
Fazia-me falta.
sexta-feira, março 09, 2007
PENSAMENTO PÓS 8 DE MARÇO
Por que raio não aproveitei a gastrectomia de há dois anos para fazer uma mudança de sexo?
quinta-feira, março 08, 2007
SOBREviver
Há dias que não consigo escrever aqui.
Não por falta de assunto ou de vontade. Tem sido mesmo por falta de tempo.
Novo emprego, novas solicitações. O filho que, depois de dois meses de mãe a tempo inteiro, está decidido a reclamar. O pai doente que não tem a devida atenção ou, pelo menos, não tem a visita diária a que já estava acostumado...
Mas hoje é um dia especial. Um dia em que me sinto uma sobrevivente.
Faz hoje dois anos que entrei num bloco operatório sem saber muito bem se iria sair de lá ou em que estado sairia. Tudo era uma incógnita. Depois desta operação, que me mutilou de forma definitiva, passei a ver contabilizada a minha existência.
Os médicos falam em sobrevida. Como se o calendário tivesse parado naquele dia e àquela hora. Como se todos os dias que se seguiram fossem um bónus.
Por tudo o que já vivi nestes dois anos e pelo que ainda espero viver (sobretudo em qualidade), sinto-me feliz e em paz.
Não por falta de assunto ou de vontade. Tem sido mesmo por falta de tempo.
Novo emprego, novas solicitações. O filho que, depois de dois meses de mãe a tempo inteiro, está decidido a reclamar. O pai doente que não tem a devida atenção ou, pelo menos, não tem a visita diária a que já estava acostumado...
Mas hoje é um dia especial. Um dia em que me sinto uma sobrevivente.
Faz hoje dois anos que entrei num bloco operatório sem saber muito bem se iria sair de lá ou em que estado sairia. Tudo era uma incógnita. Depois desta operação, que me mutilou de forma definitiva, passei a ver contabilizada a minha existência.
Os médicos falam em sobrevida. Como se o calendário tivesse parado naquele dia e àquela hora. Como se todos os dias que se seguiram fossem um bónus.
Por tudo o que já vivi nestes dois anos e pelo que ainda espero viver (sobretudo em qualidade), sinto-me feliz e em paz.
domingo, março 04, 2007
Teoria da evolução
Cada dia que passa é um dia para evoluir. Assim gosto de pensar, que a cada dia que te vou ver há uma coisa nova para registar. Agora já te vejo sentado à minha espera. é claro que ainda não te sentas sozinho, nem decides quando te queres levantar ou deitar, mas já o podes pedir a alguém. Já tens essa vontade.
Encontro-te bem e isso deixa-me reconfortada. Mas sei que ainda há um longo caminh a percorrer. O perigo já não paira tão sobre a nossa cabeça, mas ainda não estamos a safo.
Tentamos evoluir, cada um da sua maneira.
Hoj li-te mais uma das minhas cartas.
Aguardo que sintas vontade de me contares os teus dias ou os teus pensamentos.
Hoje é o dia 12
Encontro-te bem e isso deixa-me reconfortada. Mas sei que ainda há um longo caminh a percorrer. O perigo já não paira tão sobre a nossa cabeça, mas ainda não estamos a safo.
Tentamos evoluir, cada um da sua maneira.
Hoj li-te mais uma das minhas cartas.
Aguardo que sintas vontade de me contares os teus dias ou os teus pensamentos.
Hoje é o dia 12
quinta-feira, março 01, 2007
Escrita em dia
Ontem retomei um hábito há muito perdido, o de escrever cartas. Em papel, à antiga.
Quando em 1997 fui viver um semestre para Salamanca escrevia cartas todos os dias. Aos meus pais, aos meus amigos, a um ou outro familiar mais próximo... algumas delas ainda estão guardadas numa caixa algures em casa dos meus pais. Eu adorava escrever. Ajudava-me a ameninzar a saudade, o isolamento.
Com a net, o messenger, o mail e o malfadado telemóvel, fui perdendo o velho hábito de pegar na caneta. Quando fiquei doente comprei um caderno cor-de-rosa que me acompanhou no hospital e onde escrevia alguns dos meus pesamentos mais tenebrosos, algumas das minhas dúvidas e angústias... mas o espírito era diferente do das cartas. Eu não escrevia para outro que não para mim própria, apenas com a finalidade de libertar algo preso em mim.
Ontem, enquanto conversava contigo, lembrei-me desse velho hábito perdido e de como ee poderia ser uma forma de te aproximar ao mundo. Agora que nunca mais falarás a escrita poderá ser o nosso elo secreto.
Todos os dias te vou escrever uma pequena (ou grande) carta a contar-te as miudezas do meu da-a-dia. A fila de trânsito, as traquinices do Henrique, as pessoas que telefonaram a saber de ti...
O primeiro passo é meu, escrever-te.
Depois, espero que te sintas bem para me começares a escrever a mim.
Quando em 1997 fui viver um semestre para Salamanca escrevia cartas todos os dias. Aos meus pais, aos meus amigos, a um ou outro familiar mais próximo... algumas delas ainda estão guardadas numa caixa algures em casa dos meus pais. Eu adorava escrever. Ajudava-me a ameninzar a saudade, o isolamento.
Com a net, o messenger, o mail e o malfadado telemóvel, fui perdendo o velho hábito de pegar na caneta. Quando fiquei doente comprei um caderno cor-de-rosa que me acompanhou no hospital e onde escrevia alguns dos meus pesamentos mais tenebrosos, algumas das minhas dúvidas e angústias... mas o espírito era diferente do das cartas. Eu não escrevia para outro que não para mim própria, apenas com a finalidade de libertar algo preso em mim.
Ontem, enquanto conversava contigo, lembrei-me desse velho hábito perdido e de como ee poderia ser uma forma de te aproximar ao mundo. Agora que nunca mais falarás a escrita poderá ser o nosso elo secreto.
Todos os dias te vou escrever uma pequena (ou grande) carta a contar-te as miudezas do meu da-a-dia. A fila de trânsito, as traquinices do Henrique, as pessoas que telefonaram a saber de ti...
O primeiro passo é meu, escrever-te.
Depois, espero que te sintas bem para me começares a escrever a mim.
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