segunda-feira, dezembro 15, 2008

Acerca do post "Com tanta profissão bonita"

A minha amiga Gata escreveu um belo post sobre uma mistura explosiva: ser mulher, jornalista e mãe. http://agatachristie.blogspot.com/
A minha amiga Gata é minha amiga porque nos cruzámos nessa bela profissão: jornalista. E como se não bastasse sermos mulheres e jornalistas estávamos na secção de cultura. e por lá nos mantivemos até engravidarmos. E era giro. E ser jornalista era giro. Mesmo quando o espaço era pouco e só tinhamos 2000 caracteres para escrever sobre a última peça da Cornucópia, nada substituía o facto de podermos estar alí, naquela sala gelada, até à uma da manhã para podermos ter o privilégio de uma conversa com o Luís Miguel Cintra. Ou com o Jorge, ou com o Ricardo Pais... ou com tantos outros. Porque as pessoas que se cruzavam nas nossas vidas eram interessantes. E isso compensava tudo: o entrar pela noite dentro, o mau humor dos editores, a falta de espaço para escrever... o que ganhávamos em termos intelectuais e em experiência era muito bom e compensava muita coisa.
E depois ficámos grávidas. E continuou a ser giro. Comparávamos barrigas, falávamos de nomes... chegámos a ser 4 grávidas ao mesmo tempo: quatro jornalistas de cultura; eu, a gata, a Cristina Margato e a Ana Goulão. E eu (assim como a minha amiga Gata) que trabalhava num diário fui-me apercebendo, com o decorrer da gravidez, que as coisas começavam a deixar de ser tão giras... os ensaios continuavam a ser muito tarde; eu, invariavelmente, adormecia., ficava muito cansada, rabujenta e o futuro, com o nascimento do bebé, era uma incógnita.
E, no meu caso, havia aquele outro probleminha... é que o meu marido também era jornalista. E ele sim, jornalista à seria e não alguém que escreve sobre teatrinhos e senhores de collants. Jornalismo bem remunerado, que paga grande parte das contas lá de casa.
... e comecei a fazer contas à vida. Tive mesmo de as fazer.
E foi nesse momento que ficou claro na minha cabeça que o jornalismo giro tinha os dias contados. E para fazer um jornalismo que não fosse aquele, dos ensaios, dos espectáculos, das pessoas que me enchiam a alma, mais valia não ser jornalista. E assim matei o sonho que tinha tido 15 anos atrás: o de um dia vir a ser editora de cultura de um bom jornal/revista.
Mal regressei ao trabalho depois da licença de maternidade, comecei a escavar em todas as direcções para encontrar uma alternativa à minha profissão muito gira. A princípio foi duro; porque eu não sabia muito bem onde procurar, e porque tive alguns embates lána redacção. Coisas do tipo "eu tenho direito a duas horas de amamentação e não vou abdicar delas" ou "vou passar a entrar às 11h e saio às sete"... mas quem me conhece também sabe que eu sou "Mafaldinha", que resmugo, que não perco uma boa luta e, naquele caso, arregacei bem as mangas. Até porque eu, apesar de gostar da minha profissão gira, de jornalista de cultura, achava, como continuo a achar, que os jornalistas são bichos de muitos vícios... são, no geral, pessoas com muito pouca disciplina no trabalho. O que interessa é que a página fecha e que o texto ficou bom. As horas às quais se começou a escrever ou a quantidade de pessoas que ficam penduradas à espera que o texto feche é apenas um pormenor. E os jornalistas também acham que sair cedo é sinal de pouco trabalho, o que é uma mentira de todo o tamanho. Porquê deixar para o dia o texto da peça de teatro que se foi ver há uma semana, ou o perfil sobre o escritor que já nos tinham pedido há duas semanas mas que só amanhã faz anos???
E é este tipo de rotina instituída nas redacções que faz com que as mães jornalistas, mesmo que tenham acabado o seu trabalho, não possam sair mais cedo sem ouvir três ou quatro bocas ou, então, sem que lhes tentem passar mais três breves para fazer, porque o colega do lado, que até as podia escrever, chegou às quatro da tarde e está à rasca com a abertura de secção.
Eu consegui sair do jornalismo e, mesmo assim, ter uma profissão interessante e na qual me sinto realizada. Mas não é fácil.
E acho, minha amiga Gata, que o problema de ser mãe se estende a qualquer profissão no nosso país. Porque ser mãe implica ser mulher e, no nosso país ser mulher é fodido.
Até podes ser funcionária pública e saires às 5 da tarde, mas quando os miúdos ficam doentes, e é preciso ficar em casa com eles sobra para quem? e quando há uma consulta programada quem vai? E as noites em branco quando eles estão doentes? e...e...e...?
E se a profissão de jornalista é chata, imaginem os médicos, que em início de carreira ganham uma miséria e têm de fazer bancos de 24 horas... e os enfermeiros que trabalham por turnos?
Mas, mesmo assim, e apesar de todas estas pequenas grandes merdas que nos deixam à beira das lágrimas de felicidade quando dispomos de um serão sozinhas em casa com o comando só para nós, mesmo assim eu não trocava a vida que tenho por outra. E, não fosse a minha doença, atirava-me de cabeça para o segundo filho.

8 comentários:

gata disse...

tens toda a razão, amiga. eu ainda pensei escrever sobre essa falta de disciplina dos jornalistas que é uma coisa que me leva aos arames, há lá malta que chega mesmo às quatro e que so começa a escrever às oito, tu sabes, e acham isso tudo normal - e depois ainda têm a lata de me dizer que eu é que sou má colega. só porque saio às sete (agora, às seis por causa do esmifrado horário reduzido). ora eu prefiro vir para casa e até trabalhar à`noite em casa, eu prefiro chegar às dez ou ás onze e começar logo a bulir e almoçar rapidinho e não perder tempo na maquina do cafe só para ver se me despacho. É muita coisa junta. É a falta de compreensão dos colegas (uma pessoa passa uma noite até às tantas no teatro ou num concerto ou vai ver um filme às dez da manhã ou tem que ler um livro em dois dias, goste ou não do livro, e os colegas das outras secções ainda se riem e acham que isto não é trabalho, que é assim uma espécie de jornalismo de faz de conta - isto também é jornalismo à séria, amiga), é´a falta de incentivos no trabalho (pois que os jornais hoje já nao são como no nosso tempo...) e é a falta de perspectivas (de que vale uma pessa esmifrar-se ali se não há a mínima recompensa? eu não sou aumentada há anos! nem um por cento nem nada, e so perder poder de compra). Enfim. O que me vale mesmo é, como tu dizes, que eu não trocava a minha família por nada. Podem odiar-me la no jornal, chamar-me preguiçosa, o que quiserem, tenho a minha consciência tranquila e sei muito bem o que me importa nesta vida. Beijos grandes

Anónimo disse...

Inês, espero que não sejas daquelas esposas que decide alunar-se profissionalmente em prol da carreira do marido. Porque raio o teu marido, porque faz política, há-de ser um jornalista mais sério do que tu serias fazendo cultura? Porque é mais bem pago?

IPQ disse...

olá Rita.
Quando escrevi que o meu marido fazia jornalismo à séria estava a ser irónica, estava a utilizar aquele tipo de linguagem que os jornalistas costumam utilizar quando se referem aos colegas da cultura. Eu não me alienei profissionalmente pelo meu marido, mas pelas constas da casa, porque ele ganha o dobro do que eu ganhava enquanto jornalista. Eu, ainda por cima, consegui realizar-me fora do jornalismo; gosto muito do que faço. Mas a verdade é esta e não vale a pena escondê-la: quando um casal decide ter filhos tem de colocar as coisas em perspectiva, tem de fazer contas à vida e tem de perceber o que é melhor para o filho que vai nascer. No meu caso cheguei à conculsão que um de nós precisava estar mais tempo em casa, e como eu era a que ganhava menos e tinha menos hipóteses de progressão na carreira, decidi ser eu a abandonar o barco e procurar noutras margens. Ele até podia decidir deixar o jornalismo mas, e depois? vivíamos de quê?

Anónimo disse...

Bom, como ja escrevi no blog da "gata" a verdade é que o jornalismo me parece muito giro. Mesmo. Ainda nao o fiz (excepto um ou dois projectos mais pessoais ou com amigos do que outra coisa). Porque apesar de nao ser mãe, nao vivo em casa dos meus pais. Preciso de pagar casa, agua, luz,gás,supermercado.
E aquilo que pedem e dão a um jornalista (especialmente se for estagiário) nao dá sequer para as primeiras contas.
Eu gosto de jornalismo. Eu acho que é giro.É bonito. É nobre.
Mas de facto às vezes precisamos de ser "jornalistas a sério". Porque tudo a nossa volta também é a sério.

E tenho pena que em Portugal seja assim...agora vou para uma nova aventura. Se correr bem, pode ser que ajude quando voltar!

E boa sorte*

Mnemósine disse...

Gosto do teu blog e já sabia que havia vários pontos de contacto mas este post foste tu a falar sobre aquilo que tenho a certeza que me vai ocupar a cabeça daqui a uns tempos. E nessa altura espero muito poder dizer, como tu, que consegui outra coisa que me faz feliz. obrigada porque foi uma bela palmadinha nas costas.

Flores disse...

Identificação total. Tb comecei pelo jornalismo. Percebi cedo q o deslumbramento tinha um preço q ñ estava disposta a pagar e tb me virei para os livros. :)

Vera disse...

Bem Princesa, ser jornalista era o sonho da minha vida. Um sonho que nunca realizei. Escrevi para o DN Jovem, escrevi para a gaveta, escrevi e escrevo para os amigos e familiares, escrevo agora no blogue. Decidi ser Mãe. Decidi ser Mãe de uma Família Numerosa (quatro, entre os 17 e os 7), optei por ficar em casa. Porque estava quase a pagar para ir trabalhar apesar de ganhar bem quando deixei de trabalhar. faz nove anos agora no final de Dezembro. Não me arrependo. Adoro ser Mãe a tempo inteiro! Há aquele desconforto da dependência...mas o que hei-de fazer? Será que alguém me paga uns tostões para eu escrever umas crónicas sobre como ser Mãe? Posso tentar!!!
Bjs

cmargato disse...

ola,
nao esperava encontrar este blogue. mas o google tem destas coisas. e eu andava à procura de um trabalho meu, ups quando me deparei com o meu nome aqui. Cristina, digo. Pois cá estou com uma linda filha da mesma idade do teu lindo, que eu nao conheço, com pena. jornalista, de teatro! sim, mas nao só. com muitas ambiguidades sim, e muitas questoes dificeis para resolver. o meu marido tb é jornalista. bom e daqueles que nunca sabe para onde vai amanha. mas tb me dividi, e tambem passei a detestar os ensaios que nao valiam as horas que me afastavam da minha bola cheia de refegos.... e tambem quis ser mulher na decada de 50, ficar em casa rodeada de electrodomesticos e fazer as melhores receitas do mundo, tricotar as melhores camisolas, e enfim ter tempo para estar com a pequena. nao foi facil, nao é facil. ainda esta semana nos dividimos por causa da varicela da miuda e do meu quisto no maxilar. nao é nada facil, repito. mas nao consigo deixar de ser jornalista! sou assim. e nao sou menos jornalista quando sou so jornalista de teatro, e tb aprendi que os medicos tb sofrem, e que os enfermeiros tambem sofrem e que nao é exclusivo da nossa profissao. tenho o cuidado de dizer à minha filha que aos sabados e domingos nao se vai à escola, mas nunca lhe digo que nao se trabalha. eu sei o que chorei sempre que a minha mae decidia trabalhar no carnaval. eu sei que tenho de trabalhar no carnaval. demorei a conseguir sair mais de duas noites. e em 2008 sai quinze dias de uma so vez. foi possivel, foi menos doloroso do que esperaria. so nao dispenso as ferias com ela, nem o meu tempo de lazer. mas vai se andando e estou contente por nao ter desistido. devemos fazer aquilo com que nos sentimos mais confortáveis.... comigo foi assim. é assim
beijos
cristina